quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O FIEL AMIGO DE UM PROFESSOR

O fiel amigo de um professor.
Este é o Tico – o segundo – meu cachorro de estimação.
Ele é um Dachshund – vulgo Cofap – preto e amarelo e tem 2 anos.






quarta-feira, 29 de outubro de 2008

CLARICE E A FICÇÃO CIENTÍFICA



Edgar Cézar Nolasco


Sei lá se este livro vai acrescentar alguma à minha obra. Minha obra que se dane. Não sei por que as pessoas dão tanta importância à literatura. E quanto ao meu nome? que se dane, tenho mais em que pensar.
Clarice Lispector, A via crucis do corpo


O disco-voador de Macabéa

Um dia Macabéa, protagonista de A hora da estrela, teve um êxtase e viu um disco-voador. Tentou contar a Glória, sua amiga, mas não teve jeito, ou seja, não sabia falar e mesmo contar o que vira. “Não se conta tudo porque o tudo é um oco nada”, conclui seu autor Rodrigo S.M.[1].
Alegórico ou não, possível de ser contado ou não, o fato é que o mundo atinente ao sobrenatural corta de ponta a ponta o pensamento de Clarice Lispector. Com base em suas próprias reflexões – e tendo em vista os tipos variados de leituras que fazia –, Clarice diz chegar “a ligeiramente assustadora certeza de que os pensamentos são tão sobrenaturais como uma história passada depois da morte”[2] para concluir que “a vida é sobrenatural”. Seduzida por esse contexto mediado pelo estranho, divino e terrestre, sagrado e profano, “divino ou demoníaco”, afirma que o sobrenatural “é uma tentação desde o Egito, passando pela Idade Média até os romances baratos de mistério”[3]. De romances baratos ou não, o certo é que ninguém pode negar que a literatura clariciana está minada por um tom de mistério quase inexplicável.
Na introdução da sua versão das Histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe, a tradutora e adaptadora Clarice Lispector afirma, a respeito do escritor norte-americano, que “seu estilo é puro, adequado às idéias, dando a elas a expressão exata”[4]: certamente um estilo conveniente para a ficção científica, gênero literário inicialmente reconhecido pela exploração de idéias filosóficas e científicas e pela narrativa objetiva. Segundo Carneiro,

Edgar Allan Poe (1809-1849) será sempre um dos mais destacados precursores, principalmente com os Diálogos entre Eiros e Charmion, Breve Palestra com uma Múmia e A Narrativa de Arthur Gordon Pym. Poe, que também se considera como o “inventor” do romance policial, escreveu histórias sobre viagens em balão, completa novidade em sua época, tendo exercido grande influência em Júlio Verne.[5]

Apesar de não citados por Carneiro, os contos “O caso do Valdemar” e “Deus (Revelação Magnética)”, incluídos entre as Histórias extraordinárias selecionadas por Lispector, também contribuíram para fundar as bases da ficção científica, como afirma Todorov:

Na época da narrativa fantástica, são as histórias em que intervém o magnetismo que pertencem ao científico maravilhoso. O magnetismo explica “cientificamente” acontecimentos sobrenaturais, porém, o próprio magnetismo pertence ao sobrenatural. (...) A science-fiction atual, quando não desliza para a alegoria, obedece ao mesmo mecanismo.[6]

Até mesmo os contos policiais de Poe contribuíram para a formação da ficção científica, pois, como demonstra Eco, as narrativas policiais e de ficção científica assemelham-se: ambas desenvolvem-se como processos lógicos de abdução, para usarmos o termo de Peirce[7]. Assim, a ficção científica possivelmente herdou da literatura policial esse tipo de narrativa.
Antes de falar de outras relações de amizades literárias, quero voltar à relação Poe e Clarice, mais especificamente às Histórias extraordinárias de ambos, porque a tradução/adaptação (na falta de melhor nome em se tratando de Clarice) dos contos daquele selecionados e reescritos pela escritora brasileira só reforçam o tom misterioso, policialesco, fantástico e de science-fiction presente em alguns de seus textos. Na verdade, as Histórias extraordinárias transcriadas por Clarice são de sua autoria e de alguma forma (a exemplo do conto “A queda da casa de Usher”) complementam e desenvolvem suas próprias histórias extraordinárias, como o conto “Mensagem” (1964) que pode ser lido como uma primeira recriação do conto policial, fantástico de Edgar Allan Poe.
Leyla Perrone-Moisés faz uma leitura interessante sobre o conto de Clarice, no ensaio intitulado oportunamente de “A fantástica verdade de Clarice”. O valor de tal leitura crítica sobressai-se quando Perrone-Moisés constata que as transformações operadas pela adaptação do conto de Poe por Clarice “aproximam-no ainda mais de seu próprio conto”[8]. Apesar de Perrone-Moisés perceber que Clarice “altera as conclusões da reflexão” do conto de Poe (aliás prática essa tão ao estilo clariciano, em se tratando não só de tradução e adaptação mas de todo tipo de leitura por quem a autora tem alguma afinidade para sua obra), dela discordamos quando afirma reiteradamente que Clarice, em sua reescritura, “afasta decididamente qualquer apelo ao sobrenatural”. Segundo Perrone-Moisés, o leitor compreendeu que a casa não era sobrenatural e passa a lê-la como uma alegoria. Retomo aqui a passagem de Todorov antes mencionada, para dizer que Clarice desliza para a alegoria, mas mantém em pano de fundo o mecanismo pertencente ao sobrenatural. E diria, discordando mais uma vez de Perrone-Moisés, que a casa do conto clariciano é tão extraordinária quanto comum. Ou melhor: é tão comum que chega a ser lida como extraordinária. Ou seja, a verdade, o real sobre o qual se abre a casa, está escancarado para o leitor, sinalizando que a mensagem poderia estar na origem da science-fiction. Enfim, é por deixar-se ser lida como uma “falsa história fantástica” é que o conto de Clarice deixa-se ler também como uma realística pertencente à ficção científica.
Sem querer forçar nada, ainda mais porque em se tratando de Clarice Lispector mil e uma leituras diferentes podem ser feitas à sua obra, a verdade é que toda uma linhagem de amigos de idéias filosóficas, fantásticas e científicas ancora o imaginário ficcional da autora. Conforme se lê em passagem de Carneiro antes transcrita, Poe não só “escreveu histórias sobre viagens em balão”, como exerceu grande influência em Júlio Verne. Este, por sua vez, de alguma forma também vai influenciar Clarice Lispector, principalmente quando se constata que Clarice traduziu A ilha misteriosa — livro este, aliás, considerado um dos precursores da ficção científica. Ainda em torno dessa mesma temática, Clarice também traduziu Viagens de Gulliver, de Jonatham Swift, entre outras traduções que não vem ao caso mencioná-las aqui.
Pensamos não ser por acaso que Clarice use a palavra “influenciar” em sua transcriação de uma passagem do conto de Poe, quando a mesma está muito longe do original e muito próxima, talvez, do que a escritora sentia no momento com relação à obra de um precursor forte: “cheguei à conclusão de que, embora haja uma combinação de simples objetos, com o poder de nos afetar assim, a análise desse poder basta para modificar ou talvez destruir sua capacidade de influenciar”[9].
É sabido que Clarice Lispector negou por toda a vida qualquer influência literária que a influenciou de fato. Talvez por medo, ou despreparo crítico de achar que, expostas as influências, sua obra seria prejudicada, considerada menor. Clarice leu, por exemplo, O exorcista. No conto de nome homônimo Onde estivestes de noite, que tem uma personagem andrógina que atende pelo nome de Xantipa, Clarice tece comentários que bem poderiam ser tomados como se fossem dela mesma enquanto escritora. Uma jornalista, personagem do conto, depois de afirmar que vai “ganhar fama internacional como a autora de O exorcista que não li para não me influenciar”[10] (LISPECTOR, 1994: 62), telefona para uma amiga e diz o seguinte:

Vou escrever um livro sobre Magia Negra! Não, não li o tal do Exorcista, porque me disseram que é má literatura e não quero que pensem que estou indo na onda dele. (...) o ser humano sempre tentou se comunicar com o sobrenatural desde o antigo Egito com o segredo das Pirâmides, passando pela Grécia com seus deuses, passando por Shakespeare no Hamlet. Pois eu também vou entrar nessa. E, por Deus, vou ganhar essa parada![11]

Diríamos que Clarice leu O exorcista, leu Hamlet, ou seja, leu boa e má literatura (afinal o gosto é sempre discutível, não é mesmo?), entrou nessa sem medo e ganhou literalmente a parada: sua literatura é uma prova disso. Ainda nesse conto de mistério intitulado oportunamente de “Onde estivestes de noite”, uma de suas quatro epígrafes é do cantor e compositor Raul Seixas, retirada de sua letra “Ouro de tolo”[12]: “Sentado na poltrona, com a boca cheia de dentes, esperando a morte”. No que pese a comparação, parece-me que Clarice é traída pela palavra, quando altera substancialmente a letra:

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes, esperando a morte chegar.

Cercada por uma época cultural atravessada por experimentações, provocações, inovações, agressões (censura e repressão), histórias místicas, fantásticas, policiais e de science-fiction, Clarice, sentada no sofá de seu apartamento no Leme, talvez tenha lido/ouvido/visto o final da música “Ouro de tolo” — “No cume calmo do meu olho que vê/Assenta a sombra sonora de um disco voador” —, para não muito depois transferir para sua criatura Macabéa sua visão sobrenatural em forma de certeza/verdade: Macabéa “vira o disco-voador”.

O alienígena em “Miss Algrave”

No artigo “A ficção científica no Brasil: um planeta quase desabitado”, Fausto Cunha afirma que, para uma antologia da ficção científica brasileira, “Murilo Rubião, Breno Accioly, José J. Veiga, Luiz Canabrava, talvez Clarice Lispector, além de vários jovens contistas, poderiam ceder páginas”[13]. Talvez Clarice Lispector? Os leitores sinceros do conto “Miss Algrave”, publicado em A via crucis do corpo (1974), discordam da opinião de Cunha.
Na verdade, o nome de Clarice Lispector consta no livro Ficção científica brasileira: mitos culturais e nacionalidade no país do futuro[14], de M. Elizabeth Ginway, mas somente para ilustrar a entrada das mulheres na cena literária brasileira, ocorrida nas décadas de 1960 e ‘70. Ao citar obras de ficção científica escritas por autoras brasileiras naquele período, a teórica norte-americana desconsidera o trabalho de Lispector. Certamente, “Miss Algrave” melhor denote as questões de gênero sexual na ficção científica do que os romances indicados por Ginway: Um dia vamos rir disso tudo (1976), de Maria Alice Barroso, e Asilo nas Torres (1979), de Ruth Breno.
No conto “Miss Algrave”, Lispector utiliza-se do elemento da ficção científica mais popular: o alienígena. De acordo com Benford, “o alienígena é ainda primariamente usado como um molde no qual podemos projetar nossas esperanças e medos”[15] (apud GINWAY, 2005: 53); no caso de Lispector, o alienígena é projetado como portador da esperança, mais especificamente, do despertar de uma sensibilidade feminina.
Para Roberts, “há várias maneiras de ‘o alienígena’ ser usado para codificar a experiência feminina. Marleen Barr tem falado sobre o modo que ‘o feminino’ na sociedade patriarcal é prontamente constituído como alienígena [...]”[16]; no caso de Lispector, o alienígena Ixtlan desperta o lado feminino da protagonista, cujo sobrenome intitula o conto. Porém, antes de descrever o encontro entre Ruth Algrave e Ixtlan, Lispector caracteriza a protagonista como “solteira, é claro, virgem, é claro”[17] e, principalmente, condicionando-a aos valores da sociedade patriarcal: Algrave era uma profissional assalariada exemplar e cristã. Na verdade, o embotamento causado pela sociedade patriarcal reflete-se no comportamento da protagonista como vergonha, ingenuidade e revolta a respeito de acontecimentos e questões sexuais, algo notável nas seguintes passagens: “Tomava banho só uma vez por semana, no sábado. Para não ver o seu corpo nu, não tirava nem as calcinhas nem o sutiã”[18]; “Na televisão de Mrs. Cabot vira um homem beijando uma mulher na boca. E isso sem falar no perigo da transmissão de micróbios. Ah, se pudesse escreveria todos os dias uma carta de protesto para o Time”[19].
Após o contato com Ixtlan, onde Clarice sugere a ocorrência de relações sexuais, Algrave transforma-se: “Não queria mais escrever nenhuma carta de protesto: não protestava mais. E não foi à igreja. Era mulher realizada”[20]; “Ia era ficar mesmo nas ruas e levar homens para o quarto”[21]. Ou seja, a autora utiliza-se da figura do alienígena para, além de encadear a transformação da protagonista, demarcar dois tipos de mulher: a subjugada pelos valores da sociedade patriarcal e a livre.
Mas na descrição do encontro entre Algrave e Ixtlan também identificamos facetas do movimento da contracultura, principalmente o fascínio com as novas tecnologias eletrônicas e com o Oriente, pois por qual outro motivo Lispector caracterizaria a sensação causada pelo alienígena como “um frisson eletrônico”[22] e afirmaria que “eles [Algrave e Ixtlan] se entendiam em sânscrito”[23]? Ou seja, apesar de discutir fundamentalmente questões de gênero sexual, o conto de Lispector revela nas entrelinhas traços do período da contracultura.


Referências Bibliográficas

CARNEIRO, André . Introdução ao estudo da “science fiction”. 2004. Texto mimeografado.

CUNHA, Fausto. A ficção científica no Brasil: um planeta quase desabitado. In: ALLEN, David L. . No mundo da ficção científica. São Paulo: Summus Editorial, 1974.

DEVIDES, Dílson César. 30 anos de rock: Raul Seixas e a cultura brasileira (de 1970 à contemporaneidade). Dissertação de Mestrado em Estudos Literários. UFMS/CPTL. Três Lagoas, 2006.

ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

GINWAY, M. Elizabeth. Ficção científica brasileira: mitos culturais e nacionalidade no país do futuro. São Paulo: Devir, 2005.

LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

__________________. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

__________________. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

__________________. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. A fantástica verdade de Clarice. In: Flores da escrivaninha. São Paulo: Companhia das letras, 1990.

POE, Edgar Allan: Histórias extraordinárias. Trad. e adapt. de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

ROBERTS, Adam. Science fiction. London: Routledge, 2000.

SEIXAS, Raul. Ouro de tolo. In: Krig-ha, bandolo! Manaus: Universal Music, 2002. CD 11, 3’29.

TODOROV, Tzvetan . Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1992.







[1] LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 73.
[2] LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 310.
[3] LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 70.
[4] POE, Edgar Allan: Histórias extraordinárias. Trad. e adapt. de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 7.
[5] CARNEIRO, André . Introdução ao estudo da “science fiction”. 2004. Texto mimeografado, p. 12.
[6] TODOROV, Tzvetan . Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 63.
[7] Ver ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
[8] PERRONE-MOISÉS, Leyla. A fantástica verdade de Clarice. In: Flores da escrivaninha. São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 165.
[9] POE, op. cit., p. 70. Em outra tradução brasileira, feita por Brenno Silveira e outros, a passagem traduzida/adaptada por Clarice aparece assim: “Que era aquilo — detive-me a pensar —, que era aquilo que tanto me enervava, ao contemplar a Casa de Usher? [...] existem [...] combinações de objetos naturais muito simples que têm o poder de afetar-nos desse modo, embora a análise desse poder se baseie em considerações que ficam além de nossa apreensão”. Apud Perrone-Moisés, op. cit., p. 164.
[10] LISPECTOR, Clarice. Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994, p. 62.
[11] Idem, p. 68.
[12] SEIXAS, Raul. Ouro de tolo. In: Krig-ha, bandolo! Manaus: Universal Music, 2002. CD 11, 3’29. Ver também DEVIDES, Dílson César. 30 anos de rock: Raul Seixas e a cultura brasileira (de 1970 à contemporaneidade). Dissertação de Mestrado em Estudos Literários. UFMS/CPTL. Três Lagoas, 2006.
[13] CUNHA, Fausto. A ficção científica no Brasil: um planeta quase desabitado. In: ALLEN, David L. . No mundo da ficção científica. São Paulo: Summus Editorial, 1974, p. 10. Grifo nosso.
[14] GINWAY, M. Elizabeth. Ficção científica brasileira: mitos culturais e nacionalidade no país do futuro. São Paulo: Devir, 2005.
[15] Apud GINWAY, op. cit., p. 53.
[16] Tradução livre do original: “these are some of the ways ‘the alien’ can be used to encode the female experience. Marleen Barr has talked about the way ‘the female’ in patriarchal society is already constituted as alien […]”. ROBERTS, Adam. Science fiction. London: Routledge, 2000, p. 101.
[17] LISPECTOR, Clarice. A via crucis do corpo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, p. 13.
[18] Idem, p. 14.
[19] Idem, p. 16.
[20] Idem, p. 19.
[21] Idem, p. 21.
[22] Idem, p. 17.
[23] Idem, p. 18.

NOVA FORMA DE SE FAZER TEATRO

Prof. Dr. Edgar Cézar Nolasco (UFMS)
A peça “No gosto doce e amargo das coisas de que somos feitos”, dirigida por Nill Amaral, encena-se no sentido de multiplicar a espectrografia da escritora Clarice Lispector. Somente um diretor com uma sagacidade teatral crítica refinada como Nill poderia captar e levar para o palco um espectro que desse conta de representar para o outro (a platéia) a persona enigmática da escritora Clarice Lispector. E tudo isso acontece sem que aja um encenação direta sobre os textos da escritora. Muito pelo contrário: os fragmentos encenados não fazem outra coisa senão aludir ao universo clariciano, e exatamente aí reside a grandeza da peça. Como se não bastasse, a proposta do diretor é ousada e desafiadora, talvez para fazer jus ao objeto encenado, o que mostra a contemporaneidade da mesma. Enfim, com a referida peça, Nill propõe uma nova forma de se fazer teatro, pelo menos em Campo Grande.
Quanto as atrizes do espetáculo , resta dizer que elas encenam cada uma um espectro completamente deferente um do outro e ao mesmo tempo, cada espectro se complementa, pelo menos em cena. O que por sua vez, dá uma harmonia boa de se ver em palco, já que atesta a competência das mesmas. Na verdade, antes de me deter mais na questão da espectrografia da escritora, devo dizer que a peça gira em torno da vida e da morte, posto que extremamente feminina. Uma persona feminina luta desesperadamente pela vida, mesmo que sua trajetória passe pela morte.Tudo isso, foi captado com beleza e graça pelas atrizes em palco. A platéia sai do espetáculo com um sensação meio inexplicável, ou seja, uma mistura de alegria e constrangimento, já que aprendemos que a vida nos constrangi dela mesma. Nesse sentido, o título da peça já demonstra a situação constrangedora que Clarice propõe desvelar para o humano, sem dar para este o direito da escolha. Viver é um constrangimento humano, dize-nos Clarice Lispector. A peça, por sua vez, reitera tal afirmação.
Mil e uma Clarices se insinuam nas frestas da vida e da ficção. Simplificando todas suas personae, diríamos que não se pode negar que a Clarice mãe, mulher e intelectual ajuda-nos a compreender o retrato esgarçado, heterogêneo e multíplice que a ficção encena a cada novo papel-texto, e vice-versa.
Talvez seja por conta desse modo, desse jeito espectral, ou melhor, “espiritual” de Clarice se portar para ela mesma, para o outro, logo para a sociedade inteira (sua obra tornada pública reforça e endossa tal gesto), que se pode dizer hoje, sem grandes exageros, que um espectro ronda a literatura brasileira - o espectro de Clarice Lispector.
Nem é preciso ser clariciano, basta gostar da literatura brasileira, ou simplesmente de literatura, para entender que a intelectual Clarice Lispector escavou um lugar abissal na tradição literária brasileira, relegando aos pósteros uma herança inegável. Se espectro não for assexuado, diríamos que o fato de Clarice ser mulher contribuiu para que a marca de tal herança se inscrevesse na história de nossa cultura intelectual, posto que na outra ponta tínhamos ninguém menos que um Machado de Assis. Espectralmente feminina, Clarice nos fez ver que alguma coisa estava fora dos eixos na tradição literária brasileira, ou seja, até então o falocentrismo desta. Salvo raríssimas exceções, ela enquanto escritora foi a mais contundente, mesmo que ainda travestida de uma timidez feminina; o que pouco importou, porque seu arrojo intelectual era ousado. Reconheço criticamente que Clarice Lispector não ocupa necessariamente esse lugar no qual estou querendo pô-la, nem muito menos seus espectros, que são muitos. Mas ao mesmo tempo inscreve-se aí a possibilidade de se pensar em o meu espectro dela e, por extensão, o da própria crítica. Sem esquecer que tal espectro está atravessado pela presença de um outro, o de Derrida, entre outros.
Quer seja na filosofia, quer seja na ficção, quer seja pelo pensamento filosófico ou literário, quer seja em Derrida ou em Clarice, quer seja Derrida ou Clarice, o processo de (des)aprendizagem pela sobrevivência (sobrevida) parece ser o mesmo. No final da vida, Derrida diz que apesar de acreditar na verdade platônica de que filosofar é aprender a morrer, a ela se entrega “cada vez menos”, conforme vimos antes. Ou seja, entendemos que, mesmo que Derrida tenha filosofado até o fim da vida, ele permaneceu “ineducável quanto à sabedoria do saber-morrer”, assim como nunca aprendeu-a-viver, como já dissemos. A réplica para Clarice não seria menos verdadeira: escrever é aprender a morrer. Mas, não no sentido de salvação, posto que a escrita não salva o sujeito que a pratica. Sim no sentido de que se escreve apesar da vida e apesar da morte: a escrita, em Clarice, é sobrevida. “Escrever é um dos modos de fracassar”, vaticinou certa vez a escritora. Talvez seja por ter tal consciência que ela tenha feito de sua busca pela linguagem sua travessia única, realizando-se, assim, exatamente ali onde ela enquanto escritora mais fracassaria. Não saber-viver fez com que Clarice contornasse a falta, a culpa, o luto na escrita, e tudo sem nenhuma esperança de salvação. A ficção não compensa a vida, mas às vezes ocupa o seu lugar para que um espectro nela retorne. Se não em vida, depois da morte do sujeito o espectro escava para si (e para seu outro) um lugar de honra na cultura do presente.
Enfim, a peça “No gosto doce e amargo das coisas de que somos feitos” descentraliza e multiplica toda a espectrografia reiterada acima, com o objetivo certeiro de fazer retornar uma Clarice que nunca foi nesses últimos trinta anos de morte da escritora.A peça de Nill Amaral deixa-nos aquele gosto, aquela sensação de que as coisas boas não deveriam acabar nunca. Mas exatamente daí vem Clarice, com sua literatura doce e amarga para nos lembrar, sem dó nem piedade, que as coisas boas são sempre vésperas. Que a peça de Nill não passe incólume pela sociedade que tem insistido numa cegueira ignorante quando se trata de arte de bom gosto.
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1 Texto publicado no Jornal Correio do Estado CORREIO DO ESTADO - Caderno de Variedades, Campo Grande - MS, p. 7b - 7b, 06 dez. 2007.

PRÓLOGO DE MIM MESMO

Enquanto a aranha cerzia o frágil arabesco da sua teia, vi que a imensidão da noite circundante permanecia atravessando todas as linhas brancas do traçado e que ela passeava dentro da doçura de um abismo. Lembrei-me então de uma outra maravilha cujo nome é homem e descobri o segredo de uma afinidade! Se a aranha faz a teia, o homem tece biografia. Biografia é a tristeza de não ter podido residir no elemento negativo: se o homem foi constrangido a abandonar a “simplicidade da noite” pela loucura do nascimento, ele pode, numa rememoração permanente do oculto, suportar a luz cansada que vigora na passagem pelo exílio deste mundo.1
PESSANHA. Ignorância do sempre, p.101.
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1 Escrever para mim é tecer minha biografia. Mas adianto que se engana quem pensa que sou confessional. E também não sou individualista, mesmo sem deixar de ser narcisista (isso por conta da escrita) e, às vezes, esnobe (herança que eu nego), porque não deixo de tecer também a vida daqueles que amo e admiro.
A escrita é a noite e me acompanha a cada respiração. Às vezes ela é a tarde, e eu morro. Não estou escrevendo em grego; estou sendo pós-metafísico: a escrita é fora, é pública; eu sou de-dentro. É isso? Não sei. O que sei é que sou um homem angustiado de escrita. Nela meu traço treme. Meu traço humano.
Daí eu concluir que rasurar, contornar a teia-escrita é pensar a possibilidade de encontrar-me em meio ao meu próprio traçado humano. Um dia eu sai, cansado, para contornar minha angústia numa tarde e fiquei lá, perdido.
A escrita trabalha a possibilidade de me tornar escritor sem que eu o seja a princípio. Essa escrita em infinitisimal ponto de nhânduti me desenha para o outro de mim mesmo. Minha escrita não pode ser confessional porque ao escrever faço a anamnese do vivido na tentativa de tentar compreender porque me meti nesse lugar perigoso de escritor.
Quem tentou dissecar a angústia morreu, principalmente as Ciências. Às vezes me reservo o direito ambicioso de querer contorná-la com meu olhar doente e viciado, ocidental e metafísico.
Um livro, uma pessoa, uma amizade, um encontro aleatório acidental qualquer desencadeou em mim, de forma um tanto quanto inconseqüente, a necessidade vital de escrever. De modo que só me resta agora agarrar a tal gesto; também meio inconseqüente e sem nenhuma segurança. A escrita é minha travessia única, apesar de dar-me um desenho esgarçado de minha biografia. Devem haver, e sei que há, outras possibilidades, mas viver é escolher, selecionar e julgar. “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair”, disse Borges.
O fracasso maior de minha escrita a mim é que ela, ao invés de me acenar com a possibilidade de uma resposta, devolve-me uma pergunta maior do que meu entendimento __ minha razão. Daí eu poder dizer que minha escrita é o meu lugar e o lugar do desassossego por herância. Cansado, cansado, cansado, eu pergunto de-dentro de minha fragilidade, e ouço o enigma: escreva, escreva, escreva.! Com certeza não por acaso Clarice Lispector tenha dito que “escrever é um dos modos de fracassar”.
Ah e eu que pensei que se podia confiar nos sentimentos para escrever. Aprendemos com Nietzsche que por trás dos sentimentos há juízos e estimativas de valor. Pessanha não poderia estar mais certo do que quando afirma que “toda a obra de Nietzsche pode ser lida como um grande soco na altivez humana”. Nietzsche, escuta-me por favor: eu confio nos meus desejos. Ou melhor, eu procuro respeitá-los nem que seja para resignar-me quando for a hora. Ai que tristeza: às vezes não quero resignar-me a nada. Nem mesmo à vida, pode? Não, não pode, meu alter-ego responde apressado.
Não estou fazendo um prólogo nem muito menos um posfácio, mas devo dizer que se eu não tivesse a priori um projeto de escrita, eu teria sido tragado pelo mundo dos outros e este livro não passaria de uma mera compilação ordinária. Espectros de escritores mortos, legião deles, tentaram em vão me dissuadir, querendo convencerem-me de que minha escrita era fútil e desnecessária. Resisti bravamente. E fui oportunista, a ponto de tirar proveito de suas presenças espectrais. Talvez Borges tenha razão: eu sou todos os demais leitores, qualquer escritor é todos os escritores, de modo que eu sou todos eles e eles me são. Saber disso facilitou-me a vida. Afinal, apesar de saber que “não há exercício intelectual que não resulte ao fim inútil”, acredito que todo homem é capaz de todas as idéias nos dias atuais.
Confesso que a matéria deste livro nada presunçoso, pelos deuses, está envolta à minha biografia: uma dor, que vem de fora, um desespero seu causa, uma angústia familiar, idiossincrasias, amizades valiosas e outras discutíveis, um desejo de morte sem tamanho__ tudo isso, e mais o que nem eu mesmo sei, tinge o desenho de minha bioescritura.
Duras, Emily Dickinson, Hilda Hilst, Virginia Woolf, Mahamoud Darwish, Michael Cunningham, Borges, Pessanha, Clarice Lispector, formam a plêiade de amigos literários que eu quis eleger neste diálogo. Todavia não posso deixar de avisar ao leitor de que não é aconselhável que ele confie demais, pois as epígrafes-citações apostas como entradas podem não só estar em ordem, como fazerem mais alusão em outros textos que não aquele que as segue. Confesso que nem sempre parti do fragmento alheio; muitas vezes eu tinha uma imagem, uma lembrança ou um tema e daí, sim, depois buscava uma passagem mais correspondente. Nolasco: a você que é um de-dentro da escrita, entrego-lhe minha biografia de-fora. Saiba que seu menosprezo tem me sido muito produtivo. O meu desespero e a minha dor passam por outro lugar ainda não situável. Espero que minha história escritural me revele o caminho.

LITERATURA, MERCADO E CONSUMO

Edgar Cézar Nolasco (UFMS)






Se o seu crediário do ano passado ainda não acabou de ser pago, porque se emendou com o do ano atrasado, isso prova que uma saudável corrente de crédito, estendível até o infinito, está cercando sua vida de mercadorias e de confiança

DRUMMOND (Citações de CARAS, ed.700,ano14,n14,6/4/07)


Penso que um bom começo para se falar da inter-relação a que me propus, ou seja, sobre a relação entre “literatura, mercado e consumo”, mesmo que de forma não tão rígida, seja lembrando o texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, de Walter Benjamin, por entender que nesse texto de 1935/1936 a obra de arte de um modo geral, e a literatura em particular, podem ser pensadas como uma mercadoria que chega à praça pública, podendo ser comprada (por muitos), levada para casa e consumida ao bel-prazer do freguês.
Ao retomar a análise do modo de produção capitalista levada a cabo por Marx, Benjamin observa que Marx concluiu que se podia esperar desse sistema capitalista não só uma exploração crescente do proletariado, como também a criação de condições para a própria supressão de tal sistema (BENJAMIN,1994,p.165). É nesse contexto de produção capitalista que Benjamin lembra-nos que “a obra de arte sempre foi reprodutível”, ou seja,o que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens: tal imitação era praticada por discípulos em seus exercícios, pelos mestres para a difusão das obras e também por terceiros, estes meramente interessados no lucro (C.f p.166). Apesar disso, Benjamin reconhece que a reprodução técnica da obra de arte representa um processo novo (lembramos que o texto de Benjamin é de 35/36) e que acontece com intensidade crescente. Começa pela xilogravura, técnica primeira de reprodução, passa pela imprensa que transforma a reprodução técnica e chega à litografia, onde a técnica de reprodução atinge uma etapa essencialmente nova (p.166).
Ao tratar da relação entre reprodução técnica e autenticidade, por exemplo, Benjamin não hesita em pensar que a cópia rivaliza com o modelo: “a reprodução técnica pode colocar a copia do original em situações impossíveis para o próprio original” (p.168). E mais, a reprodução aproxima do indivíduo a obra. Tratando até aí especificamente da fotografia, Benjamin lembra que “a catedral abandona seu lugar para instalar-se no estúdio de um amador” (p.168). Tal fenômeno (de reprodução) apesar de não ser exclusivo da obra de arte afeta a mesma num ponto só dela: sua autenticidade que, para Benjamin,”é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição” (p.168). E daí Benjamin chega ao conceito de aura que sintetiza e esclarece a questão da reprodução: “o que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura”. Mas avancemos no texto de Benjamin para ver o que pode significar essa inconceituável e fantasmática aura: “é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais:a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja” (p.170).Com o declínio da aura, generalizando Benjamin quer dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido, substituindo, assim, a existência única da obra por uma existência serial. Tal técnica,que permite a multiplicidade dos produtos,abre um espaço para que tais produtos reproduzidos venham ao encontro do espectador, (do consumidor) e, ao fazer isso, acaba atualizando os objetos reproduzidos na sociedade. Não resta dúvida, e isso fica mais visível quando se percebe que ele se relaciona de forma direta com os movimentos de massa, porque não dizer agora com a massa, com o povo, com a minoria que caracteriza a maioria excludente de toda e qualquer tradição (?). Tal abalo na tradição pela, digamos,cultura de massa, não deixa de contribuir com “a liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura” (p.169)., conforme sugere Benjamin. Lembramos, aqui, que é exatamente contra tal suposta liquidação sumária de uma estética canônica, como se a mesma fosse eterna e, logo, inalterável, que irrompem todos os defensores de uma alta cultura, de uma alta literatura, a exemplo de Leyla Perrone-Moisés, em Altas literaturas. Parodiando o sugestivo título do referido livro, podemos dizer que o livro das baixas literaturas está sendo escrito no presente sem ignorar toda uma estética do cotidiano massivo, mercadológico, consumista e efêmero, e que encampa toda uma produção deixada à margem de uma classificação estética elitista __ produção essa ora denominada de paraliteratura, ora de contraliteratura, ora de parapolicial e até mesmo de science fiction.
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Não temos como não lembrar aqui das palavras de Eneida Maria de Souza ao criticar a posição da crítica elitista e binarista: “se esse discurso crítico abandonasse o sentimento de perda e reelaborasse o luto de maneira cultural a aceitar a presença, embora faltosa, da literatura no sistema cultural da atualidade, poder-se-ia atenuar o valor de propriedade exigido para os diferentes tipos de discurso. Uma vez que o objeto literário encontra-se, há muito tempo, desprovido da aura e transformado em mercadoria, recalcando-se o traço do trabalho que o produziu, torna-se igualmente difícil identificar o repertório de leituras do escritor” (SOUZA,2002,p.86).
Propositalmente quero aqui exemplificar como tal repertório de leituras de um escritor migra e transmigra para todos os cantos e páginas desarquivando, por conseguinte, qualquer leitura canônica que tente imperar, ancorar e manter uma tradição cultural de leitura fechada. Nesse sentido, Jorge Luis Borges pode ser considerado um escritor clássico moderno: dialoga com toda uma tradição preexistente a ele, ao mesmo tempo em que dialoga, também, com gêneros marginalizados de tal tradição, como a ficção científica. É sabido que um dos primeiros textos de Borges foi publicado numa revista do gênero, como também participou enquanto intelectual como júri de vários concursos de ficção científica. Como se não bastasse, os grandes precursores borgisianos, considerados "pais” da literatura fantástica, como Edgar Allan Poe, são também considerados precursores do gênero ficção científica. Borges não foge à regra, se se pensar em termos de América Latina. Agora sem descartar Borges, mas muito pelo contrário, mantendo-o no centro da discussão,trazemos de forma breve Paulo Coelho, já que depois voltaremos ao escritor brasileiro.
No livro de entrevista Confissões de um peregrino, Paulo Coelho informa ao seu leitor que nasceu no mesmo dia, no mesmo mês e sob o mesmo signo, embora muitos anos depois, de seu ídolo literário, Jorge Luis Borges. E confessa, que para poder conhecê-lo pessoalmente, “pegou um ônibus no Rio de Janeiro e viajou durante 48 horas até Bueno Aires. Conseguiu encontrá-lo depois de não poucas peripécias e, quando esteve finalmente frente a ele, ficou mudo. Olhou para ele e pensou: “’os ídolos não falam’, e voltou para o Rio” (ARIAS,2001,p.13). Antes de mais nada, lembramos que coincidências epocais, curiosidades e esforços pessoais como os mencionados não nos interessam aqui. Muito menos qualquer possível relação intertextual, prática moderna altamente desgastada, nem muito menos, por mais que tenhamos uma tendência crítica, estabelecer, mesmo que fosse metaforicamente,o que não é o caso, nenhuma relação biográfico-cultural. Nada disso. Antes queremos tão-somente mostrar que a leitura feita por Paulo Coelho, ou melhor, sua produção, ou parte dela, pode nos dias atuais sugerir o estudo de um lado da formação e, por conseguinte, da recepção da obra de Borges que ficou relegada de sua “fortuna crítica” talvez por puro preconceito crítico. Ou seja, há um lado formativo em Borges totalmente atravessado por questões marginais,como a ficção científica e outros ramos da própria cultura de massa que foram simplesmente ignorados pela crítica canônica, pelo menos no Brasil e na América Latina.
A título de ilustração do que estamos dizendo, destacaremos alguns casos da obra de Coelho que sinalizam tal leitura, apesar de o escritor brasileiro, cada vez mais, talvez trabalhar no sentido de se aproximar mais de Borges, bem como de qualquer outro escritor, pelo crivo da alta literatura. Nesse caso, vemos aí tão-somente uma alienação cultural por parte de Paulo Coelho. Em seu penúltimo livro, O Zahir, Coelho retoma seu diálogo com o escritor argentino e, de forma direta, diríamos, desde o título dessa vez. Zahir é o nome de um conto de Borges. Só que enquanto em Buenos Aires, de Borges, o zahir é uma moeda comum de vinte centavos ,entre outras coisas, em Coelho o zahir é uma mulher e seu nome é Esther. Coelho retoma e dialoga diretamente com o conto borgisiano, como se pode ver nesta passagem: “um ano depois, eu acordo pensando na história de Jorge Luis Borges: algo que, uma vez tocado ou visto, jamais é esquecido __ e vai ocupando nosso pensamento até nos levar à loucura. Meu zahir não são as românticas metáforas com cegos, bússolas, tigre, ou a tal moeda” (COELHO, p.60). No mesmo livro, Paulo Coelho abre o capítulo afirmando, na esteira de Borges, que a idéia do zahir vem da tradição islâmica, e estima-se que surgiu em torno do século XVIII, e que zahir, em árabe, quer dizer visível, presente, incapaz de passar despercebido.
A imagem do zahir aproxima-se, metaforicamente, da imagem do Aleph: algo ou alguém, um ponto no qual uma vez posto em contacto com ele, ocupa pouco a pouco o pensamento alheio, até perder-se toda concentração, o que assemelha-se à santidade ou loucura. É por esse viés de cultura islâmica, outra cultura, culturas, digamos, marginais ou pelo menos não ocidentais, logo, não canônicas, que distendemos um fio que mostra a aproximação entre Borges e Coelho, já há muito esboçado na prática cultural do escritor brasileiro.
Outro exemplo: no livro Arquivos do inferno, que teve prefácio de Artur da távola para a edição brasileira e de Andy Warhol para edição holandesa, a primeira parte tem por título ‘Em busca de J.L.B.”. O livro dialoga na forma e no conteúdo com o escritor argentino. Mas não é o que mais no chama a atenção, como já sugerimos. Sugestivo é perceber que o título da parte não deixa de lembrar o romance proustiano que , entre outros, abre o século XX. A importância para nós reside não na lembrança do grande romance proustiano mas, sim, no desarquivamento contextual que o livro de Coelho propõe. Nesse sentido, é o lado “b” de Borges quem nos ajuda a pensar tal reflexão, tal aproximação, inclusive passando por Borges. Deixando para outro momento a importância dos referidos prefácios e inclusive um P.S. no prefácio de Artur da Távola onde se lê “se Nietzsche fosse vivo, seria amigo de Paulo Coelho”, chamo a atenção para um comentário que não poderia ser menos borgisiano:”tudo neste livro é absoluta ficção __ cuidado”.(1983).
Já no livro Manual prático do vampirismo, logo na apresentação, encontramos outra alusão direta a Borges. Coelho diz que ele e Nelson Liano Jr., co-autor do livro, cansados de uma escalada, resolvem passar a noite num hotel misterioso situado a alguns quilômetros do abrigo de alpinistas. Já na mesa do hotel, aproxima-se deles sem cerimônia um hóspede que se apresentou como um finlandês e que disse chamar-se Flamínio de Luna. Tal hóspede disse também ter lido numa revista uma reportagem sobre o interesse de Coelho por vampiros. Relata ainda Paulo Coelho que no dia seguinte procurou por Flamínio para conversarem mais, e soube que ele havia partido. Conclui que o caso não teria passado de uma bela história para ser contada aos amigos, quando recebeu __ duas semanas depois __ o manuscrito de Manual prático de vampirismo. O pacote, entregue pelo correio, não trazia o endereço do remetente, conclui Paulo Coelho. História mais borgisiana impossível. Mas o melhor ainda é perceber que o tal Flamínio de Luna, mesmo que não tenha existido na história da humanidade, encontra algum parentesco com o Marco Flamínio Rufo, do conto O imortal, de Borges. Pela atmosfera de feitiçaria borgisiana que paira no livro de Coelho, desde a apresentação mencionada, fica subtendido que o desconhecido bem que poderia ser o próprio Borges.
Feita essa digressão toda em torno dos dois escritores mas não sem um propósito crítico, retomo minha discussão anterior.
Volto mais uma vez ao texto de Benjamin, não para lembrar que “a arte contemporânea será tanto mais eficaz quanto mais se orientar em função da reprodutibilidade e, portanto, quanto menos colocar em seu centro a obra original” (p.180), nem para lembrar também que “a reprodutibilidade técnica da obra de arte modifica a relação da massa com a arte” (p.187), o que já parece ponto pacífico pelo menos de lá (1936) para cá; mas para reiterar que o mundo do trabalho toma a palavra, ou seja, saber escrever sobre o trabalho passa a fazer parte das habilidades necessárias para sua execução. Com isso, Benjamin está nos dizendo que “a competência literária passou a fundar-se na formação politécnica, e não na educação especializada, convertendo-se, assim, em coisa de todos” (p.184).
Se, à época de Benjamin, cada pessoa podia reivindicar o direito de ser filmada (p.183), de lá para cá, qualquer pessoa, indivíduo,qualquer cidadão pode reivindicar o direito de ser artista em todos os sentidos (os reality-shows estão aí para não nos desmentir), de ser escritor. Nunca a boutade de Andy Warhol foi tão cumprida à exaustão como nos dias atuais. Talvez seja já prevendo todas as mudanças conceituais, inclusive, que Benjamin afirmara que “a massa é a matriz da qual emana, no momento atual, toda uma atitude nova com relação à obra de arte” (p.192), a ponto de completar: ‘a quantidade converteu-se em qualidade “(p.192)”. Se há, o que não discuto, alguma crítica do filósofo alemão nessa sua afirmação, interessa-me tão-somente discuti-la na direção de seu descentramento e de sua exaustão confirmatória, como condição possível para melhor compreender a sociedade de consumo, ou capitalismo tardio estudados por Jameson (que relê Benjamin, que relê Marx).
E não por acaso a boutade benjaminiana, “a qualidade converteu-se em qualidade”, me obriga a transcrever, na tentativa de ilustrar a discussão, uma passagem grande de Marx, onde este afirma que “o capitalismo faz da obra de arte uma mercadoria”:

tal como a moeda [e aqui não tem como não me lembrar da moeda borgisiana chamada zahir], que não denuncia o que nela se transformou, assim, tudo, mercadoria ou não, se transforma em moeda. Não há nada que não se torne venal, que não seja objeto de compra e venda! A circulação torna-se grande cornucópia social onde tudo se precipita para dela sair transformado em moeda legítima. Nada resiste a esta alquimia, nem mesmo os ossos dos santos, ou outras coisas sacrossantas, ainda mais delicadas, res sacro-sanctae extra commercium hominum [Coisas sacrossantas não participam do comércio dos homens]. Assim como todas as diferenças de qualidade entre as mercadorias desaparecem diante do dinheiro, assim, ele próprio, nivelador radical, apaga todas as distinções.3 Mas o dinheiro é também uma mercadoria, uma coisa que pode cair nas mãos de quem quer que seja. A força social transforma-se, desta maneira, em força privada dos particulares. Por isso, a sociedade antiga o denuncia como agente subversivo, como o dissolvente mais ativo da sua organização econômica e dos seus costumes populares (MARX, ENGELS, p. 30-31)

Tudo se transforma, grosso modo, como objeto, utensílio descartável dentro de um shopping center mercadológico. As cidades, as lojas de conveniências, as livrarias, os museus, as casas etc não passam de bazares que armazenam de tudo, e tudo a gosto do freguês, do consumidor, do visitante ou residente do local. Ou seja, “tudo o que era tradição, ritual ou crença transforma-se agora em mercadoria.[...] A cultura empresarial e financeira orienta os centros culturais e os museus que se tornaram uma espécie de shopping center de arte e de todos os bens de consumo agregados” (MADEIRA,apud DEVIDES,p.82). Em meio a esse público consumidor contemporâneo, bem como a todos bens culturais variados, diversificados e efêmeros, encontra-se, por exemplo, a figura do intelectual. Mesmo que sua obra já esteja quase fora do cânone, beirando o esquecimento, por não ser mais lida como outrora fora, uma articulação cultural consumista tem o poder de lembra-la na mente volátil dos leitores, quando põe em circulação mercadológica biografias do intelectual, camisetas com frases chamativas retiradas da obra, bonés com ilustrações ou expressões, chaveiros, adesivos, páginas na internet, tatuagens, bibelôs, livros de fotografias, filmes, livros de receitas, sósias e imitadores etc __ tudo, enfim, ao mesmo tempo que negocia com a recepção, com os leitores/ consumidores, tal indústria cultural também não deixa de negociar a reinserção de uma obra na sociedade de consumo contemporânea.
Parece-me que tudo ganha ou visa uma, não “aura”, mas “alma” de best-seller (de sucesso, de produto muito vendido), já que sua efêmera permanência reside exatamente em sua circulação, movimentação, como se mirasse um flash que precisa deter a atenção de mais espectadores possíveis em menos tempo possível. A permanência das coisas e dos objetos parece residir em seu estado de superfície volátil e efêmero. O crédito que o texto, os objetos, as coisas abrem para eles mesmos já demanda a participação do leitor/consumidor no ato do consumo, da leitura, da interação, posto que é impossível visar perenidade do que quer que seja, assim como a imortalidade do suposto autor. Diferentemente de Nietzsche que disse “vivo do meu próprio crédito (...)”, na tentativa de receber uma identidade que ele reivindica “do contrato imediato que firmou consigo mesmo” segundo Derrida, entendemos que quaisquer produtos na contemporaneidade, ou seria melhor dizer produção?, assim como qualquer autor (autoria), ocupam seu lugar de permanência só antes da morte. Ou seja, a perenidade e a imortalidade das coisas e das pessoas acontecem antes de elas verdadeiramente morrer. Parodiando Clarice Lispector, o negócio é ainda não-morrer. Morrer, mais do que nunca, pode ser o limite.. Daí querermos entender, e dizer, que a permanência de tudo que é estático ou vivo reside na orla de sua superfície —pura estampa do imaginário humano. Talvez seria o caso de se pensar, se nos fosse possível imaginar a imagem, em uma alma sem corpo — o que não seria nunca o vazio, já que o vazio seria o contrário da frase. “Entender é a prova do erro”, disse certa vez Clarice Lispector ao pensar filosoficamente na existência do ovo, que nunca passa de mera casca branca.
Mas deixando esses devaneios conscientes para trás, valho-me agora de Fredric Jameson que nos ajuda a entender a questão em torno da cultura do consumo, principalmente quando diz que “a produção estética hoje está integrada à produção das mercadorias em geral” (JAMESON, 2004,p.30). Aliás, Jameson reitera que o que aconteceu com a cultura pode muito bem ser uma das pistas mais importantes para se detectar o pós-moderno: “uma dilatação imensa de sua esfera (a esfera da mercadoria)” (p.14). Jameson não por acaso retoma Benjamin que achava que tudo isso daria em facismo, para dizer que nós, nossa época, melhor dizendo, sabe que tudo não passa de divertimento: “uma prodigiosa alegria diante da nova ordem, uma corrida às compras,(...). Assim, na cultura pós-moderna, a própria ‘cultura’ se tornou um produto, o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente igual a qualquer um dos itens que o constituem: o modernismo era, ainda que minimamente e de forma tendencial, uma crítica à mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender. O pós-modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como processo” (p..14)
Tendo por base o que defende Jameson, entendo que vários exemplos contemporâneos poderiam muito bem ilustrar sua defesa. Poderíamos valer-nos de produções saídas das artes plásticas, da mídia, da cultura de massa, da alta literatura, das margens subalternas etc, mas penso que um bom exemplo para pensar tal questão hoje pode ser o emergente intelectual pop-cult Paulo Coelho, por entender que ele é, hoje, um dos escritores brasileiros mais transnacionais que se tem notícia. Nesse sentido, o penúltimo livro do autor, O zahir, já mencionado, teve uma tiragem inicial de oito milhões de exemplares em 42 línguas e 83 países. Seu lançamento mundial e oficial foi no Irã, 48 horas antes do Brasil, onde a primeira edição foi de 320 mil livros, recorde nacional. O lançamento oficial acontece no Irã por ser o lugar do mundo onde há mais edições piratas de Paulo Coelho. “A única maneira de minimizar a pirataria é lançar o livro primeiro aqui em Teerã, assim ele passa a ser considerado um romance nacional e recebe proteção das leis locais de direito autoral,” diz Arash Hejazi, editor do escritor brasileiro em persa (Veja,p.115). O livro, que tem como protagonista um escritor que ganha fama depois de percorrer o místico Caminho de Santiago e escrever um livro sobre o assunto, reflete o atual momento de fama internacional que o autor vive. O mundo das celebridades é o assunto principal do livro. Entre outras questões, sobra ao estudioso descobrir o que há de ficção e de realidade nos episódios contados. Afora isso, a questão que a narrativa de Paulo Coelho propõe é correlata a toda narrativa ficcional contemporânea, uma vez que nem a questão da forma é mais a tônica, ou seja, preocupação da construção. Também parece não ser a questão da subjetividade tão presente na narrativa moderna e até depois, o que move tal narrativa. Mas uma coisa parece certa: o poder narrativo do escritor Paulo Coelho é um ‘mistério’ que precisa ser estudado com seriedade crítica, pelo menos no Brasil. Entendo que qualquer explicação para o fato de ele ser, hoje, o escritor mais lido, por exemplo, numa Rússia de Dostoievski e Tolstoi passa necessariamente por aí: uma vez que a recepção vale-se da narrativa para ler além dela, aquilo que melhor lhe interessa. O interesse do público leitor pela narrativa de Paulo Coelho é um fato inconteste. Se for verdadeiro como dizem que ‘quando você tem um projeto, o universo inteiro conspira para que ele se realize”, diríamos que no caso de Paulo Coelho a ascensão da cultura de massa, a mídia, o mundo globalizado e econômico contribuíram sobremaneira para que ele ocupasse o lugar que ocupa de fato e de direito; como outrora outros ocuparam seus devidos lugares e tiveram seu devido reconhecimento, pouco importando que tenham se valido de outros meios e estratégias
No caso da literatura ocidental, o cânone está aí que não nos deixa mentir. E o que é melhor: não temos tempo para nenhuma espécie de nostalgia.
Para finalizar, pelo menos por enquanto, já que me referi a Jameson, Benjamin e Marx, gostaria de lembrar que uma das grandes novidades propostas pelos Estudos Culturais contemporâneos (e não excluo os estudos pós-modernos) é um certo retorno à teoria marxista que os mesmos propõem. Não precisamos nem ser marxistas para entender, conforme Derrida em Espectros de Marx., que há um certo espectro, ou espectros de Marx rondando o pensamento do século XX. Queria apenas lembrar também que quando Hoggart e Williams se propõem alfabetizar adultos na Inglaterra, eles estão totalmente conscientes dos postulados marxistas. O problema é que se começa a verificar, cada vez mais, talvez como Marx já percebera noutro momento, que os Estudos culturais não estão acontecendo onde de fato deveriam acontecer, ou seja, na prática. Daí entender e dizer que “aplicar” os Estudos Culturais é valer-se do que propõe sua teoria para pensar e alterar o que vai mal na realidade social, cultural de uma nação.
Silviano Santiago em seu belo texto “Literatura e cultura de massa” diz que “retomar a questão da literatura em 1995 só tem sentido se se passar antes pelo desvio da cultura de massa, desvio que a crítica brasileira tem evitado trilhar, mas pelo qual todos nós, no dia-a-dia, passamos de uma maneira ou de outra” (SANTIAGO,2004,p.111). Entendo que o mesmo vale para se compreender as produções culturais e a própria cultura do presente: deve-se fazer o desvio necessário que as diferentes produções culturais, assim como suas respectivas culturas demandam, para que não se corra o risco de se ter um olho entortado. Afinal, parodiando Stuart Hall, os “perigos” propostos pelo descentramento do pensamento, da cultura e do mundo contemporâneos, bem como pelo descrédito pelo qual passam os conceitos hegemônicos, totalizantes e excludentes não são lugares dos quais se deve fugir, mas lugares na direção dos quais devemos ir.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIAS, Juan. Confissões de um peregrino: entrevista com Paulo Coelho.Trad.de Alicia Ivanissevich. Rio de Janeiro: Objetiva,2001.
BENJAMIN. Walter. Magia e técnica, arte e política. Trad. de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994.
COELHO, Paulo. O zahir.Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
COELHO, Paulo. Arquivos do inferno. Rio de Janeiro: Shogun Editora e Arte Ltda, 1982.
COELHO, Paulo e LIANO JR , Nelson. Manual prático do vampirismo. Rio de Janeiro: Editora Eco (s.d.)
JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. Trad. De Maria Elisa Cevasco. São Paulo: Ática, 2004.
MARX - ENGELS. Sobre literatura e arte.Trad. de Olinto Beckerman são Paulo: Editora Globo, 1986
NOLASCO, Edgar Cézar. Quando a moeda literária vale 1,99 no mercado clandestino de Clarice Lispector,p.99-107. In.: REVISTA brasileira de Literatura Comparada, n 6. Belo Horizonte, 2002.
_________, Caldo de Cultura: a hora da estrela e a vez de Clarice Lispector. Campo Grande: Ed. UFMS, 2007.
REVISTA Veja, Edição 1897, ano 38, n. 12, 23 de março de 2005.p.108-115: Celebridades: o escritor Paulo coelho:o brasileiro mais lido no mundo.
SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte; Editora da UFMG, 2004.
SOUZA, Eneida Maria de Crítica cult. Belo Horizonte; Editora da UFMG, 2002.




1 Este ensaio faz parte de um livro que o autor está escrevendo no momento sobre a literatura do escritor Paulo Coelho, onde discute a relação entre literatura e indústria cultural no dias atuais. Uma primeira versão do texto foi apresentada no Museu da Imagem e do Som de MS (MIS), no dia 19 de abril de 2007, como parte do Projeto Cultura em Situação, coordenado pelo Programa de Mestrado em Letras – Estudos de Linguagens, DLE/CCHS/UFMS e pelo próprio Museu.


2 É ilustrativo lembrar aqui da primeira nota de Fredric Jameson, em Pós-Modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, quando o crítico lamenta a falta de um suposto capítulo no livro: “aqui é o lugar par lamentar a ausência neste livro de um capítulo sobre cyberpunk, de agora em diante, para muitos de nós, a expressão literária suprema, se não do pós-modernismo, então do próprio capitalismo tardio” (JAMESON,p.414). gostaria de dizer que trabalhos vêm sendo feitos no sentido de suprir tal falta sentida por Jameson, a exemplo da pesquisa que está sendo desenvolvida por Rodolfo Rorato Londero sobre a ficção cyberpunk brasileira.


3 No texto de Marx, há uma nota que eu a transcrevo:
“Ouro! ouro amarelo, luzidio, precioso!...Eis aqui o suficiente para tornar o preto branco, o feio belo, o injusto justo, o vil nobre, o velho jovem, o covarde valente!... O que é tal coisa, ó deuses imortais? E o que desvia de vossos altares os padres e os acólitos... Esse escravo amarelo constrói e destrói as vossas religiões, obriga a abençoar os malditos, a adorar a lepra branca; coloca os ladrões no banco dos senadores e confere-lhes títulos, homenagens e genuflexões. É ele que faz uma jovem noiva da viúva velha e gasta... Vamos, argila danada, prostituta do gênero humano...” (SHAKESPEARE. Timão de Atenas)

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

LIVROS PUBLICADOS

O livro lançado pelo prof. da UFMS, Dr. Edgar Cézar Nolasco, “O Objeto do Desejo em Tempo de Pesquisa: Projetos Críticos na Pós-Graduação” com artigos de todos os seus ex e atuais orientandos (PIBIC/CNPq e Mestrandos), partiu inicialmente de dois projetos, sob a coordenação do professor Edgar, os quais deram origem aos textos que compõem este livro. O primeiro, intitulado Caldo de cultura, iniciado em 2005 e renovado em 2007, originou, além deste livro, o livro Caldo de Cultura, publicado pela Editora da UFMS em 2007. Nesse projeto, constam todas as dissertações defendidas e artigos publicados (como os deste livro) por alunos (Mestrandos, Bolsistas PIBIC/CNPq). O segundo projeto, intitulado Negociatas: Políticas e Literárias, iniciado em 2007, originou o livro Espectros de Clarice (2007), além de contemplar dissertações e planos de trabalhos em andamentos, por Mestrandos e Bolsistas PIBIC/CNPq. Ambos os projetos foram cadastrados e amplamente apoiados pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPP). O Professor Dr. Edgar Cézar Nolasco também lançou no mês de julho em co-autoria com as Professoras Drªs Vânia Maria Lescano Guerra e Marlene Durigan, o livro Identidade e Discurso: História, Instituições e Práticas, pela Editora da UFMS. Outros projetos Neste momento, outros projetos encontram-se em andamento: Clarice Lispector tradutora (2008), aprovado e financiado pelo CNPq como Edital Universal, também cadastrado na PROPP, o qual será publicado no final de 2009. Esse projeto congrega a pesquisa de duas alunas, sendo uma de Mestrado e outra de Iniciação Científica. Já o outro projeto centra-se em torno da Ficção Científica. Sobre o assunto, já foi publicado o livro Volta ao Mundo da Ficção Científica (2007), pela Editora UFMS, em co-autoria com o Mestrando Rodolfo Londero. Sobre a Ficção Científica, dois alunos desenvolvem projetos de dissertação. O último projeto é totalmente em torno da produção intelectual de Paulo Coelho, sobre quem o coordenador tem um livro em andamento. Há 2 Mestrandos desenvolvendo pesquisa sobre a literatura do autor. Os assuntos desses dois últimos projetos (Ficção Científica e Paulo Coelho), bem como outros a eles agregados, resultarão num livro intitulado Literaturas Invisíveis, o qual está sendo organizado pelo coordenador e agora Doutorando, Rodolfo Londero, que desenvolve tese em Literatura Comparada, tendo como objeto a Ficção Científica.



A coletânea apresenta múltiplas e diferentes abordagens de autoria de professores universitários brasileiros, docentes e alunos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Conforme os autores, a obra reúne trabalhos que procuram responder ao horizonte de questões que permeiam práticas analítico-interpretativas, a partir de dissertações orientadas pelos docentes do Programa de Mestrado em Letras do campus de Três Lagoas (CPTL) e dos resultados de seus grupos de estudos ou de seus projetos de pesquisa. O livro contempla alguns trabalhos apresentados em eventos das duas áreas de concentração do Mestrado: Estudos Lingüísticos e Estudos Literários. Os pesquisadores Edgar Cézar Nolasco e Vânia Guerra, professores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CCHS) e do Campus de Três Lagoas (CPTL), respectivamente participaram no último dia 3 de julho do lançamento da coletânea durante o XXIII Encontro Nacional da ANPOLL (Associação Nacional de Pesquisadores e Pós-graduação em Letras e Lingüística), realizado na Universidade Federal de Goiás, em Goiânia. O coquetel do evento contou com a presença dos mais importantes grupos de pesquisa de universidades brasileiras. A obra também foi lançada no 56º Grupo de Estudos Lingüísticos (GEL), realizado em São José do Rio Preto e promovido pela UNESP em 17 de julho. A noite de autógrafos reuniu graduandos, pós-graduandos e pesquisadores da área. A arte da capa do livro foi elaborada pelo artista plástico Antonio Carlos Nicolielo e ilustra os 17 trabalhos ali apresentados.





(...) Este livro busca ampliar a pesquisa e a crítica brasileira sobre ficção científica. A proposta inicial era apenas trazer artigos que tratassem da ficção científica brasileira, como o são seis dos nove aqui apresentados. Entretanto, visto a importância de uma leitura brasileira da produção mundial, mais três artigos foram acrescentados. Por fim, para melhorar aquele quadro indicado no início desta apresentação, que infelizmente é um lugar-comum necessário, também publicamos um conto de ficção científica brasileira.
Entre os autores selecionados, buscamos aqueles ligados, de alguma forma, à pesquisa sobre ficção científica: cinco deles (Roberto Causo, Braulio Tavares, Fábio Fernandes, M. Elizabeth Ginway e André Carneiro) já publicaram livros sobre o assunto; quatro (Rodolfo Londero, Ramiro Giroldo, Alfredo Suppia e Anderson Gomes) trabalham em dissertações ou teses; e um (Edgar Nolasco) orienta uma dissertação, além de descobrir-se admirador do gênero.
Na verdade, Edgar Nolasco junta essa admiração recente com uma paixão antiga para resultar no primeiro artigo deste livro: Clarice e a ficção científica. Renomado pesquisador da obra de Clarice Lispector, Nolasco revela os contatos da escritora, principalmente como tradutora/adaptadora, com a trinca ficção científica, fantasia e horror, e como isto reflete em sua obra. Por fim, há uma análise da figura do alienígena no conto "Miss Algrave", publicado em A Via Crucis do Corpo (1974).






Esse livro constrói uma homenagem a Clarice, nos seus trinta anos de ausência. Entender a importância dessa autora para a produção intelectual brasileira é tarefa também dessa obra. Clarice aqui é plural. E toda a sua obra é analisada a partir do descentramento por ela mesmo indicado como um possível modo de construção e de recepção. Autores consagrados constroem a Lispectografia de Clarice. E isso é muito bom.






"(...), “Caldo de Cultura: a Hora da Estrela e a vez de Clarice Lispector”, de sua autoria, aproveita a ficção de Clarice Lispector para discutir o conceito de cultura e compreender este conceito na construção textual do livro “A Hora da Estrela”. “O autor mostra-se fiel à sua linhagem de análise e de interpretação: reconhece leituras imbricadas no breve romance, e passeia, com prazer e atenção, da crônica ao romance, da ficção da escritora à ficção de demais autores, tanto brasileiros quanto estrangeiros, movimentando-se com destreza ao detectar e explorar as múltiplas relações possíveis entre os textos que lê”, comentou sobre o livro Nádia Battella Gotlib, professora livre-docente, aposentada, de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP).











Autores: Edgar Cezar Nolasco & Vânia Maria Lescano Guerra (org.)




Os ensaios deste livro, conforme já indica seu título, elaborados desde diferentes níveis de pesquisa, refletem sobre questões complexas, tomando por base a Análise do Discurso, a Literatura, a Lingüística, a Semiótica, os Estudos Culturais, mas também a mídia e outras áreas do conhecimento, numa relação transdisciplinar. Por isso mesmo, como forma de apontar a diversidade dos enfoques tratados, o livro reflete a contribuição singular de cada autor.




Edição Portuguesa



Edição Brasileira

Nesta homenagem prestada a Clarice Lispector, o leitor encontrará textos curtos, que por vezes tocam o lado fantasmático e espectral da escrita da autora. Os professores Edgar Nolasco e Lucilene Machado aventuram-se pela ficção e algumas sutis alusões farão irromper e desencadear toda uma atmosfera à la Clarice.




Coleção Rocinante / Leia um trecho do livro: ? ? Queridos amigos, nem é preciso entender tudo o que lhes digo: apenas sintam e prestem atenção. Devem estar me achando presunçoso, mas sabem que não o sou. (...) Olhem para esta tarde de dezembro, olhem para este dia, (...) olhem para a cor vermelho-carne daquele telhado, olhem e sintam este presente que nos faz ? já viram coisa mais importante do que este presente? Não. Ninguém viu ou sentiu. (...) Já pensaram e escreveram as melhores histórias, as que lemos e amamos são um bom exemplo, e tudo isso se por um lado me faz (e nos faz), por outro abriria mão de tudo pelo presente: porque amo desgraçadamente e de modo visceral o tempo presente em que vivo, e não saberia viver outro. (...).?









Descrição: Este livro (o segundo do autor sobre Clarice Lispector) não é só um livro sobre a obra da escritora. É, ao mesmo tempo, um livro que trata da teoria da crítica biográfica. Daí entender que a crítica acaba sendo uma crítica autobiográfica cultural dos dois sujeitos em análises: do escritor e do crítico. Veja-se esta passagem: “o crítico biográfico não é aquele que decifra o enigma do texto, ou do autor, mas aquele que sabe articular o texto com o paratexto, a ficcão com a não-ficção, a obra com a vida e vice-versa, na tentativa detetivesca de alargar a produção daquilo a que chamamos leitura. A escrita do imaginário biográfico relembra os fatos da vida em seu processo e os reinventa, dando a eles uma marca de verdade até então não percebida”.







Há muito se afirma que os temas da literatura são eternamente os mesmos: a morte, o amor, a vida, a própria literatura. O que irá mudar e a maneira de interpretar esses temas, o olhar distinto que cada escritor lança sobre eles. Não sendo exceção à regra, este livro reescreve, com extremo vigor, a exaltação da vida, a presença da morte e os tormentos do amor.



Ao cotejar as crônicas dessa consagrada escritora, publicadas no Jornal do Brasil, de 1967 á 1973, com os livros analisados, grifando nas escrituras desses livros as crônicas encontradas, o autor verifica o projeto de criação literária utilizando - a articulação de textos já escritos, transformados em outros, completamente novos e diferentes, num movimentos de recortar e colar.